A BOCAGE
No palco da vida, foste cavando abismo,
Revestindo a prosa do mais grosso cotim…
Mas como essa tua alma continha lirismo!
Como ela usava o mais paladino cetim!
O mais magistral nume e sensibilidade!
Como ela, tanto chorava no camarim…
Como, por ti, se constrangia de verdade!,
Dessa tua vida, em corda bamba, sem rede:
Dos jogos, a boémia e amor, em liberdade…
Parcos recursos, e dessa Índia tanta sede…
Mas ante a ideia de gentes desconhecidas
Que dilema esse teu, entre a espada e a parede…
Se, em Goa e Damão te deste a bélicas lidas
Que ventanias, te levaram para Macau,
Oh desertor, das mil e uma ânsias incontidas?
Fortes torrentes, para tua débil nau,,,:
O amor à pátria, te fazendo soluçar
E os vícios a te arrasarem, oh Galalau…
Terias mesmo que a teu país regressar,
Quanto cansaço em ti e ainda uma criança…
Vinte e cinco anos só, poderias mudar!
Se a nova arcádia, te dera aval de confiança,
Que pena, a tua satírica prosação,
A tua musa, bem mais picante que mansa…
Mais pena, esse teu desaire sem compaixão…
Oh Bocage, quer tu brincaste com o fogo,
E de Pina Manique, não viste perdão…
Entre masmorras algentes, tu viste logo
O resultado de teu tão dúbio viver,
Em vai as lágrimas, as musas doces e o rogo….
Já não podias, teu remorso combater…
Tu tinhas maltratado, teu próprio destino,
E era tarde Bocage… tinhas de sofrer…
(Ermo de mulheres – musas de verso fino,
Um presidiário, com suores febris…
Um palhaço esfarrapado, Elmano Sadino…)
Ao menos, que “limaras” teu marco infeliz,
Que nos conventos, conheceste o serenar,
Foram calmantes, p’ra teus passados Abris….
Mas e depois? Como irias teu pão ganhar?
Sem emprego, qual não seria a tua dor?
E p’ra mais, com tua irmã p’ra sustentar?
Nem mesmo, te agarrando como explicador,
Nem mesmo assim, superaste tua desdita
Que chegaste a conhecer, miséria de horror…
E quando a ideia de suicídio, te crepita,
Dela te salva, o teu espírito cristão!
Teu amor a Deus! Tua devoção bendita!
A fieis amigos, abres teu coração,
(De curar mazelas, ávido como lobo)
Te mitigam: miséria, fome e frustração….
E ante a chegada da doença, ainda tão novo,
Arrasando-te a fé, duma vida diferente,
Concluis, ter feito, na vida, papel de bobo…
Crês. Ter sido do Céu, sacrílego inclemente,
Que por tal, te dera a paga merecida…
De ti mesmo, és um inimigo irreverente…
Raivas de poeta-palhaço, alma dorida
Percepção da hora final, batendo à porta!
Cabeça quente, de criatura empedernida….
Porque, oh simbolista do amor e sorte torta,
Na alma da tua alma, teu maior alento,
A tua maior esp’rança, não estava morta!
Os teus tão sentidos versos, esse portento,
Iriam surgir nos astros, tinhas razão;
São obras-primas, de real deslumbramento!
Os autores da tua canonização!
1992